29, Maio 2024
5 viagens à Antártida: o que nos conta a investigadora Joana Baptista
Sabia que a Antártida não é apenas coberta de neve? E que as nossas ações, em Portugal também têm impacto na vida e no ecossistema nesta zona polar? A RECICLA conversou com a investigadora Joana Baptista, que já realizou cinco expedições a esta remota área do planeta.
Sabia que a Antártida não é apenas coberta de neve? E que as nossas ações, em Portugal também têm impacto na vida e no ecossistema nesta zona polar? A RECICLA conversou com a investigadora Joana Baptista, que já realizou cinco expedições a esta remota área do planeta.
Portugal, organizou a sua primeira expedição científica à Península Antártica, o COASTANTAR 2024. Uma experiência cofinanciada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), através do Programa Polar Português (PROPOLAR/FCT) e pela Universidade de Lisboa, através do Colégio de Ciências Polares e de Ambientes Extremos (POLAR2E/ULISBOA).
A viagem pretendia ser de baixo impacto ambiental e colocou 12 cientistas de áreas disciplinares diferentes a bordo de um veleiro de 24 metros.
Qual o seu papel na expedição COASTANTAR?
O meu trabalho consistiu em estudar de que forma é que as alterações climáticas têm influência na evolução do permafrost na região da Península Antártica e quais são os impactos que depois terão nos ecossistemas terrestres, marinhos e na distribuição de contaminantes.
O permafrost é a camada de solo ou rocha que está gelada há pelo menos dois anos. Na Universidade de Lisboa existe uma rede de observatórios para o permafrost. A Antártica, sendo uma área muito remota é difícil instalar estes observatórios. Por isso, estes são bastante limitados e não nos permitem saber com exatidão o que se está a passar. Parte do meu trabalho neste projeto passa por fazer a recolha e a manutenção destes dados com o objetivo de conseguir implementar um novo modelo que nos permite estimar a temperatura do permafrost.
Quais são as expetativas dos resultados?
O que é espectável é concluirmos um ligeiro aumento da temperatura do permafrost e que este está próximo da sua degradação.
Existe uma camada de solo estável e à superfície e uma camada que congela e descongela todos os anos. Quando há uma degradação do permafrost esta última camada aumenta.
Que impactos é que isto tem?
Tem impactos na região da Península Antártida. Apesar de não existir propriamente matéria orgânica e por isso não haver libertação de carbono, há outros problemas. Por exemplo, durante a expedição visitamos uma ilha que é um vulcão ativo e há muitos componentes químicos que estão instalados no solo, como o mercúrio. Muitas vezes este tipo de contaminantes estão conservados no permafrost (estão lá congelados), mas, se houver uma descongelação, estes contaminantes tendem em ir nas linhas de água e acabam no oceano. Ainda não sabemos o real impacto desta questão, mas podemos supor já o impacto na biodiversidade e nos ecossistemas terrestres.
Outros estudos que têm sido desenvolvidos e na expedição havia outros projetos como o que tinha a ver com a distribuição da vegetação. As pessoas imaginam que a Antártida é toda branca, mas nas áreas livres de gelo existem musgos e espera-se que em algumas áreas haja algum desenvolvimento desta vegetação.
O ambiente na Antártida é extremo. Não sou bióloga, mas falamos de espécies que sofreram alterações e são muito sensíveis a qualquer alteração que haja no seu ecossistema. Por isso, uma ligeira alteração da temperatura da água, ou da concentração de contaminantes torna estas espécies francamente ameaçadas.
As alterações que se têm vindo a registar, neste caso na Antártida, podem afetar Portugal?
Na zona do Ártico, há plataforma de gelo sob o oceano, por isso, toda aquela área coberta de gelo e que é afetada pelo aquecimento global e pela degradação dos glaceares, tem impacto no nível médio das águas do mar. Nós somos um país costeiro, com áreas de baixa altitude que são bastante ameaçadas com esta subida. Mas há outro problema, com mais ondas provocadas pelo aumento da água, o volume de erosão será também maior. No fundo, estaremos a perder o nosso território.
A Antártida é um continente, é solo, mas se falarmos do aquecimento da superfície, é preciso ver que isso tem impacto na situação atmosférica, e os nossos sistemas de ciclones e anticiclones (que provocam o mau e o bom tempo, respetivamente) têm uma certa ondulação, e neste momento começam a ter uma ondulação mais acentuada, o que faz com que haja mais ondas de calor e tempestades que vêm do Pacífico e afetam os países de médias latitudes.
O que podemos fazer todos para uma desaceleração da degradação destas zonas do Planeta como a Antártida?
Nós vivemos num sistema em que tudo está ligado. Aquilo que acontece nos polos tem impacto no restante planeta. Os problemas não são estanques numa determinada região.
Por exemplo, as plataformas de gelo e o aquecimento do oceano, tem alterações nas correntes marinhas, o que tem diversos impactos. Tudo está ligado. Se as pessoas refletissem que as pequenas mudanças que podem fazer em casa têm impacto, todos poderíamos estar mais envolvidos.
Qual é que é a maior aprendizagem que tirou desta última ida à Antártida?
Se formos de facto apaixonados por estes locais e pudermos testemunhar a magia que têm, deixa-nos tristes sabermos que tudo aquilo está ameaçado. Estas alterações climáticas têm impacto em tantas espécies…
A Antártida ainda é uma área muito selvagem e ver que este ano a quantidade de cruzeiros gigantes a ir a estas zonas carregados de turistas é assustador. Nós fizemos esta expedição num veleiro, para tentar minimizar o impacto da viagem, porque é um navio que não requer tanto combustível, mas continuamos a ter cruzeiros a ir para as mesmas áreas. E isso deixa-nos a pensar: as pessoas vão e por verem o quão espetacular e selvagem é esta área passam a ter a preocupação de preservar, ou vão porque a capacidade financeira assim o permite, sem reflexão ou mudanças de hábitos após a viagem?