Ana Pêgo é bióloga marinha e autora do projeto de educação ambiental Plasticus maritimus, o nome da espécie invasora que passou a habitar os oceanos. É beachcomber, recicla “desde sempre” e foi recentemente laureada nos Prémios Terre de Femmes, da Fundação Yves Rocher, no âmbito da sustentabilidade e do ambiente.

O que a levou a “criar” esta nova espécie que habita nos oceanos, Plasticus maritimus, que deu também origem ao seu projeto?
Foi a necessidade de chamar a atenção das pessoas para o plástico que estava a aparecer nas praias em quantidades absurdas. Criei uma página no Facebook com este nome numa altura em que estava a começar a gostar das histórias que estavam por detrás de cada objeto. Nesta fase, comecei a ir para a praia e, em vez de pensar no horror que era estar ali aquele lixo todo, comecei a imaginar que tesouro iria encontrar.

Qual é a principal mensagem que este projeto de educação ambiental pretende transmitir?
O meu objetivo é tentar chegar ao máximo de pessoas possível e, para isso, uso todos os métodos que tenho ao meu alcance, redes sociais, palestras, oficinas, exposições, entrevistas, tudo o que conseguir! Quero levar as pessoas a tomarem consciência da quantidade absurda de resíduos que cada um de nós gera diariamente e alertar para a urgência de reduzir estes números através de uma mudança de comportamentos.

Desta “nova espécie”, há algum exemplar que tenha gostado particularmente de encontrar?
Gosto sempre de encontrar os bonequinhos monocromáticos das coleções, que eram brindes dos gelados Olá e Rajá nos anos 60 e 70. Mas, a alguns objetos só comecei a dar mais valor depois de saber a sua história, como, por exemplo, objetos relacionados com a pesca nos Estados Unidos e no Canadá e objetos provenientes da queda de contentores.

Tem ideia de qual a quantidade de plástico que já conseguiu resgatar?
Não faço ideia. Não costumo pesar nada e só conto os objetos em dias em que vejo que o número está a passar do “normal”. Por exemplo, um dia apanhei 253 tampas de garrafa em cerca de 20 minutos, e num outro recolhi 185 palhinhas numa área reduzida da praia e em pouco tempo. Mas sou mais beachcomber do que beach cleaner, porque, geralmente, as minhas limpezas são como se fosse às compras, em que vou apanhando apenas os objetos que me interessam e, por isso, sou mais seletiva, trago menos quantidade de cada vez. Como o faço diariamente, ao fim do mês pode dar uma quantidade bastante considerável de lixo retirado da praia. A maioria das associações organizam dias próprios para fazer limpeza e vão grupos com muitas pessoas. É possível que eu sozinha, ao fim do mês, tenha retirado o mesmo ou até mais do que alguns destes grupos.

O que mais a impressiona enquanto beachcomber?
É sempre impressionante (e giro!!) encontrar objetos antigos e raros. Confesso que me impressiona, no mau sentido, encontrar objetos recentes. Como é que é possível, nos dias de hoje, haver nas praias tanto lixo recente, numa altura destas, em que há contentores, recolhas, triagens e estações de tratamento? Fico mesmo chocada com isto.

Faz separação de resíduos para reciclagem? Há quanto tempo?
Faço a separação de resíduos desde sempre. Além de os meus pais terem sido sempre pessoas preocupadas com este género de coisas, eu andei nas Guias, escuteiros de raparigas, durante muitos anos, e era prática ter atenção aos resíduos produzidos. A reciclagem e os contentores para separação dos resíduos apareceram mais tarde e, por isso, posso dizer que separo os resíduos “desde sempre”.

Qual a importância que atribui à reciclagem?
Acho que a reciclagem é importante e que todos devemos fazer a nossa parte, que é, tão simplesmente, deixar o que não queremos nos devidos locais ou contentores. Contudo, para mim, a Reciclagem é o último dos R. Primeiro devemos começar por Repensar a forma como utilizamos o plástico e tentar encontrar alternativas; Recusar e aprender a dizer não a alguns produtos e objetos; Reduzir aquilo que não conseguimos recusar; Reutilizar e dar uma nova vida às coisas; Reparar ou Recuperar os objetos avariados e só por fim, quando já não sabemos mesmo o que fazer com as coisas, Reciclar.

Que ações diárias tornam a sua rotina mais sustentável?
Não sendo uma pessoa radical antiplástico, tenho feito um grande esforço para eliminar os descartáveis da minha vida. Substituí vários produtos ou, pelo menos, a forma como vinham embalados: deixei de comprar manteiga embrulhada em papel vegetal ou papel de prata, deixei de comprar carne e peixe embalados, raramente compro, mas quando preciso levo os meus tupperweares. Faço o mesmo para a fruta e legumes. Acabei com gel de banho e gel das mãos, passando a sabonetes sólidos: isto foi, de facto, a minha primeiríssima mudança, já lá vão oito anos, e, em anos mais recentes, troquei o champô normal, em frasco de plástico, por champô sólido. Há muitas coisas fáceis de fazer no dia a dia para reduzir a quantidade de resíduos.

Com isto aproveito para dizer que cada pessoa deve começar por fazer a mudança que lhe parece mais acessível. Não temos de mudar todos, radicalmente, de um dia para outro. Mas acho que os governos e as grandes empresas têm uma enormíssima responsabilidade pelos resíduos que, muitas vezes por ignorância, produzimos diariamente. É fundamental que alguns produtos saiam definitivamente de circulação e que possamos ter alternativas aos descartáveis de plástico.