Catarina Matos é arquiteta e fundadora do blogue e da loja Mind The Trash. Além da separação das embalagens, adota diversos hábitos sustentáveis tanto em casa como na sua empresa. Confessa que a cosmética sempre a fascinou e que utiliza muitos dos conhecimentos que adquiriu na sua profissão para ajudar a desenvolver produtos mais amigos do ambiente.

O que a levou a criar o blogue e a loja online Mind The Trash?
Sempre fui uma pessoa preocupada com a minha saúde e com o ambiente. A Mind The Trash surgiu no crescimento dessa preocupação ao deparar-me com uma realidade de desperdício em massa e maiores casos de cancro e outras doenças entre a população devido ao nosso estilo de vida. A Mind The Trash nasceu quando vivi em Londres como conta de Instagram, onde ia partilhando dicas para um estilo de vida com menos desperdício, mais amigo da nossa saúde e do ambiente. Sempre que vinha de férias a Portugal não encontrava as alternativas que já estava a usar e mesmo o termo “desperdício zero” parecia desconhecido. Assim, juntamente com o meu parceiro de negócio, Christian Andersen, dinamarquês, decidimos criar a loja e o blogue para divulgar tudo aquilo que já tínhamos descoberto, para consciencializar o público português para a problemática do consumo e dos descartáveis e para divulgar a existência de produtos alternativos ao plástico.

A Mind the trash, enquanto empresa, tem também uma gestão sustentável. Como?
Exatamente. Se pensarmos numa loja online imaginamos de imediato uma grande aquisição de caixas e de papel de acondicionamento (ou mesmo plástico), correto? Mas não precisa de ser assim. Apesar de também termos caixas adquiridas por nós para envios, tentamos aproveitar ao máximo tudo o que nos chega, seja para envios, seja para organização de prateleiras em armazém. Aqui, além de usarmos caixas dos fornecedores, utilizamos também caixas de outras empresas que as iriam deitar fora. Muitas são entregues pelos nossos clientes. Fita-cola de plástico também não existe no nosso armazém e escritório. Desde o dia 1 que utilizamos fita-cola de papel reciclada, reciclável e compostável.
A maioria do material também é reaproveitado dos tempos do secundário e da faculdade. Tapete de corte, tesouras e x-atos são do meu tempo de faculdade. Canetas e lápis foram trazidos maioritariamente pelos membros da equipa, que tinham em casa e já não usavam. Relativamente aos nossos cadernos, têm mais de 40 anos. Eram de uma pequena livraria que fechou e a loja atual colocou-os à venda por um valor simbólico para não os deitar fora. Também temos um sistema de recolha de material para reutilizarmos nas encomendas, recolhendo o que já foi expedido e aproveitando o que os clientes possam ter em casa, mesmo que de outras empresas.

Porque é que devemos ter cuidado com o lixo?
Poderíamos focar-nos em vários aspetos: o de os aterros estarem a encher a uma velocidade demasiado rápida, o de o lixo causar sofrimento e morte a muitas espécies marinhas e terrestres, ou o aspeto de o lixo libertar toxinas para o solo e circuitos de água. Não nos podemos esquecer também de que há lugares no nosso planeta onde as pessoas sofrem com as queimas do seu próprio lixo, surgindo casos de cancro e asma, entre outros problemas de saúde. Portanto, é importante todos termos cuidado e atenção ao nosso lixo e tentarmos reduzi-lo ao máximo.

Faz separação de embalagens? Há quanto tempo?
Sinceramente, não me recordo há quanto tempo o faço, pois lembro-me de o fazer desde sempre.

Para si, quais são as vantagens da reciclagem?
A nível financeiro, quanto mais reciclarmos menos iremos pagar de taxa de gestão de resíduos, o que é vantajoso para todos. A nível do consumo de recursos, através da reciclagem podemos fomentar a economia circular – do velho fazer novo – e sem dúvida que vivemos uma altura em que é essencial reduzirmos de forma drástica a exploração dos recursos naturais. Infelizmente, não acredito que a reciclagem seja a solução definitiva para a maioria dos produtos, pois muitos não podem ser infinitamente reciclados. Contudo, já é um começo e sem dúvida que existe muito material que pode ser reciclado. É essencial repensarmos os produtos que fabricamos, torná-los mais duráveis, reparáveis e, idealmente, compostáveis no seu final de vida.

Quais são os hábitos sustentáveis que pratica diariamente?
Muitos, mas ainda não suficientes. Talvez seja mais fácil fazer em listagem:

  • Utilizo sacos reutilizáveis para as minhas compras. Quando compro peixe, levo também um recipiente de vidro ou de plástico;
  • Só uso guardanapos de pano. Há mais de três anos que deixei de usar em casa guardanapos de papel;
  • Para lavar a loiça uso somente escovas de madeira com fibra natural, esponjas de luffa e de algodão reciclado português. Como alternativa ao sabonete, utilizo o nosso sabão da loiça Mind The Trash;
  • Na parte de higiene pessoal, no banho só uso champô e amaciador sólidos e sabonete para lavar o corpo. Para lavar o rosto também só uso sabonete e quando me maquilho (já raramente), utilizo óleo de coco ou azeite para retirar toda a maquilhagem. Relativamente à higiene oral, uso pasta de dentes natural em frasco de vidro, escova de dentes com cabo de madeira de florestas geridas de forma sustentável e fio dentário compostável. Para hidratar a pele. uso óleos puros em frasco de vidro com rolha de cortiça, que temos disponível no nosso site.
  • Para as compras no supermercado, uso sacos reutilizáveis de pano, evitando o consumo de novos sacos, sejam de plástico, sejam de papel.

Mudar os nossos hábitos não é de um dia para o outro, é uma jornada. E inicialmente até pode parecer uma jornada mais dispendiosa, mas não. É uma jornada com um maior investimento inicial, contudo compensatório quando pensamos no longo prazo. Como exemplo, posso dar-vos a minha esponja da loiça que já tem mais de três anos e está impecável para outros tantos!

A Catarina é arquiteta, mas dedica-se à criação de produtos de cosmética; o que é que a levou a este desvio?
O mundo da cosmética sempre me fascinou e compreender mais sobre formulações e os seus ingredientes foi desde cedo de elevada importância para mim, por questões de saúde. Quase todas as mulheres na minha família tiveram cancro, eu própria também fui operada a um peito com pouco mais de 20 anos. O que coloco no meu corpo sempre foi uma preocupação, em paralelo com o mundo da arquitetura. Atualmente, não formulo, os cursos que realizei foram para obter conhecimento. Não é meu objetivo ficar em fábrica a produzir, mas, sim, desenvolver, em conjunto com fábricas já existentes e que já têm todo o equipamento, aquilo que acho interessante de lançar no mercado. A minha veia artística leva-me ainda mais longe e dou graças a tudo o que a arquitetura me ensinou. Todo o conhecimento adquirido em programas de modelação 3D ou de tratamento de imagem, o pensar nos detalhes e desenhar pormenores, ajudam-me hoje em dia a desenvolver outros produtos para introduzir no mercado que não cosmética. A minha intenção é de encontrar colaborações em Portugal para fabricar produtos mais amigos do ambiente e da nossa saúde, dinamizando a economia local.

Se tivesse de criar um produto de cosmética para o ambiente, o que seria e que ingredientes utilizava?
Não criaria nenhum produto de cosmética, pois a natureza já o fornece. Não nos podemos esquecer que a base dos comprimidos e dos cremes é, muitas vezes, natural, tirando partido das propriedades das plantas. O ambiente só precisa que lhe demos a liberdade para criar o seu próprio equilíbrio. Infelizmente, os humanos é que estão a desestabilizar todo um ecossistema, focando-se no ego e não no eco.