Francisco Martins, mais conhecido como chef Kiko, é autor de sete restaurantes lisboetas. Na sua opinião, um chef deve dar o exemplo e, por isso, o desperdício alimentar é um dos principais cuidados que adota nas suas cozinhas. Fique a saber o que o inspira.

Na sua opinião, quais são ou devem ser as principais preocupações em termos ambientais quando se cozinha?
Pessoalmente, tenho duas: os desperdícios alimentares e a forma mais eficiente de cozinhar. Ambas muito relacionadas com planeamento. Acho que todos sabemos que um terço do que é consumido no mundo infelizmente acaba nos caixotes do lixo, por isso é completamente desumano não aprendermos a gerir melhor os stocks, não aprendermos a planear melhor a quantidade de alimentos que cozinhamos e que compramos. Isso é fulcral e está diretamente relacionado com um critério ecológico e de conservação. Depois, a forma eficiente como cozinhamos. Muitas vezes, estou a cozinhar uma bolonhesa a uma segunda-feira, na terça ou quarta estou a cozinhar uma lasanha e depois no sábado estou a cozinhar um empadão. Basicamente, estes três pratos partem de um preparado de carne que podia ser todo ele confecionado no mesmo dia. Ou seja, em vez de cozinhar um quilo de carne moída, podia cozinhar cinco, separá-la em sacos, congelá-los e, no dia das refeições, preparar os pratos a partir daí. Faz bastante mais sentido assim, poupamos tempo e poupamos energia.

Um chef deve dar o exemplo? Isto é, pode inspirar a mudança?
Sem dúvida nenhuma. Acho que o chef tem de dar o exemplo. Tem essa responsabilidade enquanto chef, enquanto figura pública. Até porque nós dominamos mais esta área. É nossa responsabilidade, além de cozinhar bem, saber escolher bons ingredientes e também explicar às pessoas a importância da preservação do mundo. Nós estamos aqui para cuidar deste planeta, não para o destruir.

Preparar refeições com mais sustentabilidade é uma tarefa fácil ou difícil? Porquê?
Eu penso que não seja difícil. Acho que a maior dificuldade em termos de sustentabilidade é nós aprendermos que, se quisermos ser sustentáveis, por vezes temos de deixar alguns hábitos alimentares muito presentes na nossa cultura, nomeadamente, comer carne em excesso, aprender a comer mais vegetais, aprender a comer de outra forma e eventualmente colocar a questão entre as opções “gang food” versus a “comida mais saudável”. Obviamente que alimentar uma família com hambúrgueres “de plástico” é mais barato do que comer um peixe de mar assado, mas temos de ir encontrando alguns equilíbrios e ir conseguindo perceber isto. Muitas vezes o meu maior refúgio é no consumo de legumes. Os legumes não são mais caros que a carne ou o peixe. Por exemplo, lá em casa todos os dias à noite só comemos legumes.

Quais são os principais cuidados em termos de sustentabilidade nos seus restaurantes?
Nos restaurantes os principais cuidados de sustentabilidade prendem-se muito com os desperdícios. Acho que a minha grande guerra é ensinar às pessoas a desperdiçar menos, a serem mais sensatas na forma de viver. Eu já disse isto antes, mas acho que temos, de uma vez por todas, de tratar deste assunto com a seriedade que ele implica. Nós vivemos num mundo de recursos findáveis, num mundo com cada vez mais pessoas, mas temos de perceber que temos de ser altamente rigorosos.

O que se “recicla” mais nas suas cozinhas, alimentos ou embalagens?
O mais importante na minha cozinha é o planeamento. Mais do que a questão da reciclagem, se fizermos um bom planeamento, não precisamos de reciclar alimentos. Temos de ser inteligentes na forma como os gerimos, ou seja, eu não posso comprar uma curgete usar apenas a parte de fora e não usar a parte de dentro. Tenho de ser inteligente na forma de utilizar os ingredientes e essa é a minha preocupação, a par da consistência. Estes são os dois pontos mais importantes nas minhas cozinhas.

Fora da cozinha, quais são os seus principais cuidados ambientais?
Os meus cuidados ambientais focam-se muito nos meus filhos. Prendem-se muito com mostrar o mundo onde vivemos e explicar-lhes que temos de cuidar dele. Mostrar algumas imagens dos oceanos e explicar aos miúdos a questão do plástico, porque é que se recicla, o que se deve fazer a um cotonete ou a outras coisas semelhantes.