Aos 29 anos, Lídia Pereira chegou ao Parlamento Europeu cheia de vontade de mudar o mundo no que diz respeito à sustentabilidade. Integra o Partido Popular Europeu (PPE), a cuja juventude preside. E tem em mãos a representação de Portugal no plano de recuperação nas questões relacionadas com as alterações climáticas. Ideias não lhe faltam: afinal, começou cedo a caminhar na estrada da sustentabilidade. Fique a saber o que ela pensa e inspire-se!

Ao dia de hoje, quais são os principais desafios que a Europa enfrenta no que diz respeito ao combate às alterações climáticas?

É importante termos bem presente que, à data, já estamos a lidar com efeitos e consequências irreversíveis. Portanto, além do combate, é preciso apostarmos nas estratégias de adaptação. Temos de adaptar as nossas infraestruturas aos efeitos que já vimos a sentir e, assim, aumentar a nossa capacidade para lidar com fenómenos climáticos extremos, como os fogos, as cheias ou as tempestades.

Mas o grande desafio, a nível europeu, é alcançar a neutralidade climática até 2050. E, para isso, temos de conseguir uma redução das emissões de CO2 em 55% já até 2030. É um desafio complexo, pois precisamos de acelerar a transição energética e substituir a utilização de combustíveis fósseis e fontes de energia poluentes para outras, renováveis e sustentáveis. A energia é fundamental para a nossa qualidade de vida, bem como para o desenvolvimento e crescimento das nossas economias. Não podemos falhar as metas que já assumimos, mas precisamos de conseguir compatibilizar crescimento económico e sustentabilidade ambiental.

Se pudesse decidir, em matéria de sustentabilidade, qual seria a primeira ação que tomaria para colocar Portugal num caminho mais “verde”?

Um aspeto crítico tem a ver com a rede de transportes públicos. Por mais apelos e ações de sensibilização que sejam feitos, na maioria do território, a população encontra-se dependente do automóvel para as deslocações do dia a dia. E isso deve-se a uma rede de transportes públicos deficitária. Mas, ao percorrermos a listagem de investimentos e de reformas inscritas no Plano de Recuperação e Resiliência, no capítulo referente a transportes e mobilidade sustentável não há um único projeto concreto fora das áreas metropolitanas de Lisboa ou do Porto.

Portanto, caso estivesse em posição de decidir, procuraria tirar partido desta oportunidade para corrigir esta situação. Se realmente queremos ter o país mais bem preparado para lidar com os desafios que a sustentabilidade nos coloca, a mobilidade é uma questão absolutamente estratégica. 

Além da mobilidade, quais considera serem os pontos-chave em que Portugal tem de trabalhar para melhorar a suas metas para a sustentabilidade?

Além da mobilidade sustentável, penso que ainda temos um longo caminho a percorrer na promoção da economia circular e, de certa forma, na reciclagem. São fundamentais para a salvaguarda do ambiente e para a proteção dos ecossistemas. Ao longo dos últimos 20 anos, a taxa de reciclagem, ao nível municipal, aumentou ininterruptamente em toda a Europa e Portugal, naturalmente, também tem feito o seu percurso. Mas, ainda assim, temos sido confrontados com vários alertas, por parte de organizações ambientais, sobre a quantidade de resíduos enviados para aterro, piorando gravemente a posição portuguesa no que toca ao respeito pelo ambiente. Temos de convergir no cumprimento dos objetivos europeus estabelecidos para a reciclagem, sobretudo a reciclagem doméstica.

Na Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (COP 26), que decorreu em Glasgow, de 1 a 12 de novembro, Portugal já se comprometeu a uma redução global de 30% das emissões de metano até 2030 face aos valores de 2020. E também estamos comprometidos com a redução das emissões globais de gases com efeito de estufa, de modo a alcançarmos a neutralidade carbónica. Mas, para isso, é preciso uma maior aposta na inovação e acelerar a aplicação de tecnologias limpas, sobretudo no setor produtivo. Os compromissos assumidos são importantes, mas precisamos de ações concretas e no imediato.

O que faz o Parlamento Europeu para “mudar o mundo”, ambientalmente falando? E o que pode cada um de nós fazer?

A União Europeia tem vindo a assumir um papel de liderança no combate e na adaptação às alterações climáticas. E o Parlamento Europeu tem dado o seu contributo, de forma muita ativa e assertiva.

Do ponto de vista político, destacaria dois momentos marcantes: o Estado de Emergência Climática, declarado pelo Parlamento Europeu em 2019, e a Lei Europeia do Clima, aprovada este ano. O Estado de Emergência Climática pode parecer meramente simbólico, mas não o é. Tem como objetivo colocar-nos a todos em alerta para fazermos precisamente essas mudanças. Já a Lei Europeia do Clima, a primeira a nível mundial, é um instrumento fundamental para a concretização dos objetivos a que a Europa se propõe. No que respeita à neutralidade climática fixa uma meta juridicamente vinculativa de emissões líquidas nulas de gases com efeito de estufa até 2050. Estamos também a avançar com o pacote Fitfor55, que implementa estas mudanças.

Porém, o combate às alterações climáticas não se faz apenas com estratégias e reformas políticas. E muitas das metas que pretendemos alcançar também dependem de ações e comportamentos individuais. Todos podemos dar o nosso contributo, privilegiar mobilidade sustentável, o consumo de alimentos de baixa pegada ecológica, a reciclagem, o uso responsável da água nas nossas casas, a adaptação de hábitos de consumo e, também, combatendo o desperdício alimentar.

No que toca a políticas ambientais, se houvesse um ranking, em que lugar colocava Portugal?

Essa é uma boa questão. Há rankings em que temos melhorado a nossa posição e outros nos quais os resultados ficam aquém das expectativas, como na reciclagem. Eu diria que, enquanto os portugueses continuarem a precisar de mais de dois planetas para manter o seu atual estilo de vida, no “ranking da pegada ecológica” ainda temos muito a melhorar.

“No Parlamento Europeu não há desculpas”

No Parlamento Europeu (PE) quais são os hábitos sustentáveis que se têm diariamente?

O edifício tem, desde logo, uma grande vantagem: é bastante eficiente do ponto de vista energético e está bem equipado para não haver desculpas quanto à separação de resíduos.

O que é que se recicla mais no PE?

O papel, em todos os gabinetes. E também se procura poupar, com recurso aos suportes digitais.

O que se devia reciclar e não se recicla no edifício?

Nesse aspeto, estamos bem. Todos os pisos estão bem equipados com pequenos ecopontos disponíveis para toda a gente.

Quais deverão ser as próximas ações a tomar no que diz respeito à sustentabilidade?

No edifício, talvez seja necessário afinar melhor os mecanismos automáticos de controlo e regulação da iluminação, sobretudo nos espaços comuns.

“Todos nos lembramos do Gervásio”

Três ações sustentáveis que não dispensa no dia a dia.

A separação dos resíduos, responsabilidade no consumo de água e evitar o desperdício de comida.

Tendo em conta as diferenças de regras de separação adotadas em Portugal e na Bélgica, qual foi a mais difícil de aplicar e porquê?

Há uma situação caricata, que tem a ver com o código cromático atribuído a cada conjunto de resíduos. Na Bélgica, a cor amarela corresponde ao papel e o azul está definido para o plástico e metal. Em Portugal, é justamente ao contrário. Este tipo de coisas deveria ser harmonizado, pelo menos a nível europeu.

Ainda há alguma regra de reciclagem ou algum material que lhe suscite dúvidas na hora de reciclar? Qual e porquê?

As cápsulas de café, em particular as de alumínio. Em Portugal há locais próprios para as depositar, mas na Bélgica, por exemplo, exceto quando a própria marca as aceita de volta, não existe onde as depositar.

Quando começou a interessar-se por estas causas?

Desde muito nova. Na minha geração, a escola desempenhou um papel muito importante na educação ambiental, nomeadamente no que respeita à reciclagem. Durante muitos anos houve campanhas de sensibilização nos meios de comunicação social. Todos nos lembramos do Gervásio, o chimpanzé que fazia a separação das embalagens. Mas, a par disso, creio que as gerações mais jovens tiveram um papel fundamental na sensibilização dos pais e avós.

Sente-se uma escuteira do ambiente?

Eu sou escuteira e, por isso, até aproveito para salientar o papel que o escutismo tem na promoção da sustentabilidade e na defesa da natureza e dos ecossistemas. Considero-me uma pessoa ativa, que procura encontrar soluções para compatibilizar qualidade de vida com comportamentos responsáveis e sustentáveis. É a filosofia que sigo, quer na minha vida pessoal, quer no desempenho das funções políticas que tenho atualmente.