André Leonardo é empreendedor, autor do livro Faz Acontecer e da série televisiva com o mesmo nome. É natural dos Açores, onde sempre teve cuidados ambientais, já viajou pelo mundo, teve a oportunidade de o “ver como é”, razão que o fez regressar, abrir um hostel na Terceira e adotar práticas ainda mais sustentáveis.

Já fez acontecer a sustentabilidade na sua vida? Como?

Se há coisa que nós temos nos Açores é, quase sem nos apercebermos, práticas muito sustentáveis em casa. Além disso, vivemos num lugar cheio de natureza, cheio de vaquinhas e de mar. Temos isso tudo. Para mim, sempre foi muito normal e natural ter algumas práticas de sustentabilidade sem saber que as estava a adotar, porque vinham de casa.

Mas, é um tema que, nos últimos dez anos, ganhou um contorno diferente. Quando fiz a volta ao mundo, passei por bairros de lata, em África, onde não existem casas de banho, onde há um mar de sacos plásticos, literalmente; estive em bairros de lata na India, em Nova Iorque, em Hong Kong e até nestas duas cidades o lixo era surreal. Nesta viagem, foi quase como se, dentro da minha cabeça, dois mundos chocassem. Eu achava que era normal ter práticas amigas do ambiente, ter resultados ambientais como nos Açores, mas, aquilo que encontrei pelo mundo não foi isso. A partir dali, ganhei maior consciência da importância de termos práticas sustentáveis e adotei mais.

Como empreendedor, se pudesse, o que criava para melhorar o planeta?

Imagino que se fizessem esta pergunta a muita gente acabariam com respostas como “eliminava os combustíveis fósseis”. Essa parte é muito importante, mas vou deixá-la para os engenheiros. Como gosto muito de ir a escolas, estou habituado a falar com alunos; por isso, o que fazia era mudar mentalidades. Mas, não sei se vamos lá apenas explicando, por exemplo, ao meu pai, com 60 anos, que tem de mudar.

Se calhar, é preciso falar aos jovens, desde a primária, pegar nesta geração que vem a seguir e mostrar-lhes que isto tem de mudar. Pedir-lhes desculpa por termos deixado o planeta desta maneira e tentar passar a mensagem de que temos de mudar e de que têm de ser eles a adotar novas formas de viver.

Foi eleito um dos sete jovens que está a transformar o mundo, pela associação Pangea. Como é fazer parte deste processo? Mudar o mundo passa pela questão da sustentabilidade?

Quando recebi o prémio, que é de uma instituição espanhola (Pangea), pensei que era spam. Mas, quando vi bem o email e percebi que era verdade, não quis acreditar porque eu sou só o “André dos Açores” e isto na minha cabeça não acontece “aos Andrés dos Açores”, acontece noutros mundos. Nunca pensei e nunca fiz as coisas a achar que ia chegar aqui. Fi-las porque me pareciam bem, porque me entusiasmavam, porque queria mudar, trazer inspiração, fazer diferente. E os resultados apareceram.

Como é que a sustentabilidade entra aqui? Acredito que um prémio destes traga responsabilidades. Sobretudo porque, quase sem nos apercebermos, tornamo-nos um exemplo para outras pessoas. Não há forma melhor de liderar do que pelo exemplo. Por isso, aquilo que procuro fazer é dar o exemplo. É usar máscaras reutilizáveis, é ter um hostel com práticas amigas do ambiente, é andar de carro elétrico…. Se eu sozinho vou mudar o mundo? Não, não vou, mas, se todos fizermos um bocadinho, se calhar todos juntos mudamos.

André Leonardo numa palestra

Viaja com frequência e já visitou mais de 50 países. O que costuma fazer para reduzir a sua pegada de carbono?

Uma das coisas que faço é escolher sempre hotéis que adotam práticas sustentáveis e este é sempre um fator que uso para escolher os locais onde fico. Outra coisa, geralmente quando viajo em grupo, é tentar alugar apenas um carro ou fazer com que todos nos desloquemos de autocarro e, em vez de andar a comprar garrafas de água, levo sempre a garrafa reutilizável. Às vezes, são coisas tão simples que as pessoas não acreditam, mas é isso que faz a diferença.

Qual foi o maior ensinamento que já retirou das suas viagens?

O ensinamento foi que nós só não fazemos o que não queremos e está muito mais em nós fazer o que desejamos do que nos outros. Vi muita gente pelo mundo que começou não diria do zero, mas do -10 e que conseguiu. A base de arranque deles não era a minha nem a nossa em Portugal, era muito mais baixa e eles fizeram. O que me deixou a pensar: se eles fizeram, eu também consigo fazer. Isto vai dar muito trabalho, há que passar por sacrifícios, mas o difícil é diferente do impossível. Portanto, o maior ensinamento que retiro é que se pode fazer algo assim se queira. Pode dar trabalho, mas é possível.  

E no que à sustentabilidade diz respeito, o que é que a sua viagem à volta do mundo lhe ensinou?

O ensinamento maior que retirei não está diretamente relacionado com a ecologia. Na altura da crise em Portugal, quando estava cá a Troika e o FMI, eu queria inspirar as pessoas a ir em frente, queria inspirar as pessoas a sair da crise. Na altura, estava no Quénia, num dos bairros de lata onde vivem dois milhões de pessoas e houve um rapaz que me mostrou a sua casa. Vi os sacos de lixo, uma casa com dez metros quadrados, cheia de terra, sem casa de banho….  E, a certa altura, o rapaz perguntou-me como é que era a vida em Portugal. Contei-lhe que o nosso país é espetacular pelo clima, etc., e que, apesar da crise, achava que as coisas iam melhorar. Ele olhou para mim preocupado e disse: “Mas quantas vezes é que vocês comem por semana? Porque da última vez que houve crise aqui eu e a minha família só comíamos uma vez por semana”. E isto foi um choque para mim, porque eu pensava que estava em crise, mas, afinal, nunca estive em crise. Achava que tinha uma vida cheia de problemas e aquilo ensinou-me a relativizar, a ter de perspetivar. Às vezes, damos valor ao que não interessa e esquecemo-nos um bocadinho do que é essencial.

Um segundo ensinamento que retirei das passagens por estes bairros é que nós temos um caminho grande para percorrer. Por vezes, queremos mudanças, passar do degrau um para o dez e não pode ser. Tem de ser devagar, um degrau de cada vez.

Mais recentemente, abriu um hostel a partir de um edifício totalmente reconstruído, o Mid Atlantic. Porquê este espaço, como foi o processo de reconstrução e que cuidados ambientais adotam?

A ideia surgiu porque fiz a volta ao mundo e fi-la com muito poucos recursos. Posso revelar que dormi umas vezes na rua, em estações de comboio, de autocarros, fiquei em casa de muitas pessoas e fiquei também em muitos hostels. Mas, o bom disto tudo foi ver o mundo como ele é, sem aquela lente de turista, que só vê a parte bonita. Sempre pensei abrir um espaço para receber pessoas como eu e onde eles possam ver o mundo como ele é. Mas, queria um lugar especial, onde fosse possível respirar Açores.

Procurei uma casa que pudesse reconstruir, porque, às vezes, temos tantas coisas boas, que faz mais sentido dar um toque diferente e revitalizar. Encontrei este espaço numa das primeiras ruas da cidade e começámos as obras.

Colocámos isolamentos, porque é uma casa antiga com paredes muito grossas, para dar conforto e, ao mesmo tempo, sermos eficientes em termos energéticos. Fomos tendo alguns cuidados para que o resultado pudesse ser bom. Propus-me fazer um hostel boutique, mas disse desde a primeira hora que não ia ter ar condicionado. Tive muitos amigos da área que me disseram que ia correr mal e que iria ter más pontuações, porque toda a gente sabe que é preciso ter um bom ar condicionado.

Hostel de André Leonardo

O Mid Atlantic está aberto há sensivelmente um ano e só uma pessoa se queixou do ar condicionado e eu expliquei porquê: gasta demasiada energia. Nos Açores, não é preciso, a temperatura no verão nunca vai acima dos 27/28 graus, no inverno não vai abaixo dos 10 graus, portanto é uma questão de pôr mais um cobertor ou de abrir as janelas. A pessoa compreendeu. É um exemplo simples, mas que acaba por fazer muita diferença no consumo de energia.

Também temos reciclagem. As amenities são de parede e recarregamos; os nossos produtos de limpeza são feitos de concentrados, ou seja, daqueles que se diluem numa garrafa que se vai reutilizando e, assim, o que consumimos em embalagens é muito inferior.

São coisas pequenas que fazem a diferença. Muitas vezes, fala-se em eliminar o plástico, isso não nos é possível, mas, pelo menos, sei que está ao meu alcance passar de 50 garrafas para uma.

O André costuma inspirar os outros. E a si quem o inspira a melhorar a sua sustentabilidade?

Sigo muita gente que não é famosa ou muito conhecida, mas são pessoas que fazem acontecer coisas incríveis. Por exemplo, o Sílvio e a Carlota, que são os donos da Aldeia da Coada, na ilha das Flores. É um turismo rural muito sustentável. Eles inspiram-me, porque estão no ponto mais ocidental da Europa, têm uns dos 50 hotéis mais românticos do mundo e são muito inspiradores. Outro exemplo, a empresa que se chama Mendes e Gonçalves. Está na Golegã, emprega 400 pessoas, tem uma indústria grande que faz vinagres; o dono está super comprometido em fazer melhor e tudo o que está ao alcance dele para reduzir a pegada carbónica numa área onde é muito difícil mudar do dia para a noite. É muito inspirador ver que há pessoas a pensar em algo mais do que no seu umbigo, que estão a pensar no amanhã.