Sara Morais Pinto é socióloga e cofundadora da Associação Zero Waste Lab. Viveu sempre em contacto com a natureza e afirma que “uma vida mais ecológica é uma vida mais responsável”. Acredita que “todos somos natureza” e, por isso, deixa alguns exemplos de pequenas ações que podemos adotar para tornar o planeta mais sustentável.

O que a fez despertar para a necessidade de reduzir a quantidade de lixo que produzimos e quando é que isso aconteceu?
A pergunta remete-me para a minha história de vida. Tive a sorte de viver e passar férias no campo. Talvez tenham sido os primeiros momentos de grande conexão e empatia com a natureza. Na minha casa, também se falava de algumas coisas como a importância da separação do vidro, papel, plástico e alumínio, ou a troca de roupas entre irmãos. Recebi muita roupa da minha irmã. Doar roupa e brinquedos era uma prática natural.
Na adolescência, fui ativista em movimentos ambientais, interessava-me o bem-estar do planeta e a forma como as pessoas se comportavam.

Compreendendo o sistema e a situação, entendi a problemática do plástico e da sua presença excessiva no quotidiano e o seu tempo de vida útil. Observar o lixo, o que segue para reciclagem, olhar as ruas, ler etiquetas de roupa, ver rótulos e embalagens, saber onde são produzidos os materiais e produtos que compro, o seu transporte, são hoje questões que me preocupam muitíssimo e a que estou atenta. O estilo de vida, supostamente, mais facilitado, mais moderno e mais rápido está a ser danoso para o futuro da vida e dos ecossistemas. Ainda que seja difícil evitar a produção de lixo, todos podem colaborar para a redução da quantidade gerada, diminuindo o consumo, de forma mais consciente e sustentável.

O que a motivou a ajudar a criar a Zero Waste Lab?
Entre muitas outras coisas, sou socióloga e tive a sorte de trabalhar durante muitos anos em processos de implementação de estratégias e políticas sociais, intervenção social. Em 2016, num momento de transição de vida, tive a oportunidade de frequentar um curso de liderança criativa. Nesse curso, o desafio lançado foi o repensar como cada um poderia promover a prosperidade no mundo e, muito em particular, repensar a forma de reduzir em 10% o lixo produzido na cidade de Lisboa.
Nessa altura, conheci pessoas incríveis, com este tema de interesse comum, repensar num modelo societal capaz de se equilibrar e trazer sustentabilidade e bem-estar às suas comunidades. Agarramos esta causa comum, e com muita vontade, horas de trabalho, construção de parcerias, criamos a associação Zero Waste Lab.

Escultura Re-volta e a equipa – Manifesto Lixo Zero no Bairro da Mouraria

Nestes quatro anos, qual foi a atividade ou o projeto que mais a marcou e porquê?
A história da Zero Waste Lab é também uma história de crescimento, aprofundamento e reconhecimento do nosso papel ajustado às necessidades da nossa sociedade. Marcaram-me muito os primeiros meses da associação, da construção e implementação. Depois, os projetos que mais me marcam são os projetos profundamente comunitários. Posso falar em três em particular: o Lixo Zero Mouraria, um modelo de sensibilização e participação de Manifesto Lixo Zero; a Academia Lixo Zero, um modelo pedagógico; e o Movimento de Impacto em Cadeia.

Nesta iniciativa de diminuir a quantidade de lixo, considera que a reciclagem tem um papel importante? Porquê?
A reciclagem é muito importante, mas limitada se a consideramos como a única solução para o equilíbrio e sustentabilidade das nossas comunidades. As nossas sociedades dependem dos recursos naturais disponíveis do nosso planeta e da forma como nos relacionamos com cada um deles. Vivemos, nas últimas décadas, a promoção do facilitismo e do descartável, sem compreensão e, por consequência, com menos crítica.

É neste contexto que a Zero Waste Lab, propõe o repensar a complexidade dos diferentes sistemas de produção e consumo, trazendo a consciência de escolhas de modelos onde o ciclo de vida dos materiais, objetos e recursos, reduza substancialmente a produção de lixo. Diria mesmo que será impossível reciclar todos os materiais gerados para descarte, se a indústria mantiver o mesmo índice de extração e produção de novos materiais, recursos e objetos. O lixo zero é um conceito que promove o máximo aproveitamento e o correto encaminhamento dos resíduos recicláveis e orgânicos. O objetivo é o fim do encaminhamento destes materiais para os aterros sanitários ou incineradores.

Projeto REPLAY :: Participa com Brinquedos em fim de vida :: Processo de desmontagem de brinquedos para reciclagem criativa: https://plasticreplay.pt

No seu dia a dia, quais são as ações mais sustentáveis que adota?
Tenho um desafio diário que é viver numa cidade, num apartamento, em família com seis pessoas, um cão e um gato. O primeiro passo foi envolver todos nas mesmas preocupações, desafiando-nos a eliminar o maior volume possível de lixo indiferenciado e de materiais para reciclar.

Existem imensas dicas e ideias, saliento alguns exemplos praticados pela nossa família: para reduzir o lixo orgânico doméstico, reduzimos o consumo desnecessário e o desperdício alimentar. Utilizamos as cascas dos limões para abrilhantador da máquina da loiça, e congelamos outras para temperos; separamos os nossos resíduos orgânicos e colocamos num compostor comunitário. Usamos sacos reutilizáveis, minimizamos o embalamento descartável, compramos a granel e sazonal. Reutilizamos tecidos para esfregões e esponjas de limpeza e higiene pessoal, usamos tecidos encerados (bee’s wrap) para acondicionar os alimentos no frigorífico. Repassamos a roupa entre a família e amigos, por idades e doamos aquilo que já não serve e está em condições.

Que conselhos deixa a quem pretende mudar para uma vida mais ecológica?
Uma vida mais ecológica é uma vida mais responsável e comprometida no respeito mais lato da vida humana, integrada no ecossistema natural. Nós todos somos natureza, e temos o poder de escolher o mundo onde queremos habitar:

  • Promovendo atitudes sustentáveis, diariamente, garantindo o uso racional dos recursos naturais e suprindo as necessidades de inclusão, justiça e bem-estar;
  • Compreendendo a pegada ecológica e o seu potencial de mudança;
  • Plantando árvores, apadrinhando florestas e agroflorestas;
  • Usando a água de uma forma consciente;
  • Optando pela mobilidade suave;
  • Acompanhando ou ser associado de ONG e associações que trabalham a esfera da ecologia humana, proteção da biodiversidade das espécies, lixo zero, entre outras.