Já ouviu falar das Verdes Marias, as três irmãs brasileiras que têm vindo a ganhar fama pela sua caminhada na sustentabilidade? A RECICLA conversou com a Mariana, a irmã mais velha, para saber como é ser “super sustentável” no Brasil, um país onde a reciclagem ainda não ultrapassa os 2,1%.

Nesta entrevista, a Mariana revelou-nos alguns dos seus hábitos sustentáveis do dia a dia, falou-nos da mudança mais revolucionária que fez e contou-nos ainda algumas curiosidades sobre as três irmãs.

Quem são as Verdes Marias?

As Verdes Marias sou eu e as minhas irmãs, Carolina e Maria Clara. Nós começamos este projeto porque já há alguns anos eu trabalho com organizações sociais, não governamentais e de sustentabilidade, mas as minhas irmãs não ligavam “bola” a estes temas, não queriam saber e não se interessavam. Só que há três anos a Carolina achou que estava muito infeliz no trabalho e que precisava de ter mais propósito.

E eu sinto que isto está também a acontecer com muitos jovens. Começam cada vez mais a perguntar “porque é que eu estou aqui?”, “estou a vender o quê a quem?”, porque vivemos muito esta relação do consumo… Quando ela veio ter comigo com esta questão, eu propus-lhe: “E se fizéssemos um projeto em que eu te desse algumas dicas de coisas que tu podes fazer na tua vida para seres mais sustentável e tu contas se te estás a sentir melhor ou não com essas mudanças, mas sem saíres do teu trabalho?”.

Ela adorou a ideia e foi assim que começámos. Chamámos a Clara, que era quem menos tinha vontade de falar de sustentabilidade, mas é jornalista e estava desempregada, por isso, sugerimos-lhe que fosse ela a escrever os textos. A Clara foi aprendendo tanto que acabou por se apaixonar e hoje é super dedicada.

Como é que tudo começou?

Como uma é fotógrafa e outra é jornalista começamos a divulgar tudo o que íamos fazendo. As pessoas começaram a achar divertido e a seguir-nos nas redes sociais. Basicamente, transformamos a nossa dinâmica, a nossa forma de ser e de estar umas com as outras num conjunto de conteúdos. Penso que as pessoas gostaram.

Verdes Marias

O que é que este projeto veio mudar na sua vida?

O meu dia a dia mudou completamente. Eu sempre fui “sustentável”, mas não tinha mudado o meu estilo de vida. No entretanto, já tive dois filhos, das duas vezes usei fraldas de pano, disse não àqueles cremes todos que as pessoas acham que temos de ter e reduzi muito a quantidade de plástico dos brinquedos que comprei para eles.

Na maternidade mudei completamente e foi engraçado porque quando descobria uma coisa, deparava-me com outra logo a seguir. Por exemplo, enquanto diminuía a quantidade de desperdício dos meus filhos, descobri que tinha de diminuir também a quantidade de resíduos que eu produzia. Comecei a procurar mais por temas relacionados com os resíduos associados à menstruação e assim descobri os pensos de pano e os copos coletores. Depois de mudar estas duas coisas, comecei a pensar em mudar a alimentação, comecei a compostar… tudo aos bocadinhos, uma coisa de cada vez. Cada vez que começava a pesquisar mais sobre um tema encontrava outro e assim sucessivamente. Cheguei a dizer que não ia ter minhocas em casa, mas quando dei por mim já tinha um compostor.

Gosto imenso de carne, mas comecei a reduzir na carne de vaca, depois na de aves, depois deixei o peixe, até que me tornei vegetariana. Mas foi tudo gradual, acho que, se não fosse assim, tinha desistido a meio. Além de que a vida da cidade não é uma vida em que se larga tudo e se começa do zero. Não é preciso largar tudo para mudar os hábitos.

Portanto, penso que é unânime responder que mudou tudo. Absolutamente tudo.  Se vou viajar ajudo toda a gente a separar os resíduos, se vou às compras opto pelas latas de alumínio, incentivo amigos a escolher bebidas embaladas em latas de alumínio (que no Brasil a probabilidade de serem recicladas é de quase 100%).

Como é o dia a dia de uma pessoa “super sustentável”?

Bom, como tenho dois filhos pequenos não acordo, sou acordada; vou escovar os dentes com uma escova de bambu, utilizo um sabonete feito artesanalmente e que compro sem embalagem. A seguir, vou tomar o pequeno-almoço, opto normalmente por mingau ou aveia com leite vegetal. Quando acabo, coloco os restos de comida no compostor. Depois levo as crianças à escola, sempre que é possível vamos a pé.

Há muita coisa que já é automática no dia a dia. Por exemplo, a compostagem: em vez de pegar nos resíduos e colocá-los no lixo, ponho no compostor; é exatamente a mesma coisa, perco, no máximo, cinco minutos a mais.

Não vivo apenas para este tipo de preocupações. Tenho dois filhos, dois empregos, moro em São Paulo, não tenho um ritmo leve. Sou acelerada, faço muitas coisas ao mesmo tempo, mas estes cuidados são uma questão de hábito. Outro exemplo: hoje fui ao supermercado. Levei os meus sacos, escolhi bebidas como cerveja e sumos que estão em latas, comprei grão a granel. Faço as escolhas conforme o que já sei que é melhor, mas é automático.

No início, é preciso planear um pouco mais, mas, depois, quando se torna uma rotina, é uma coisa natural. O principal é não nos culpabilizarmos por não fazer perfeito. Se num dia nos esquecermos dos sacos para ir ao supermercado não faz mal, paciência da próxima vez tentamos não esquecer. A perfeição não existe.

Mariana das Verdes Marias

Hoje têm uma comunidade que vos segue e que partilha convosco dúvidas e ideias. Quem aprende mais: quem vos segue ou vocês com o que pesquisam e partilham?

Acho que ambos. As pessoas fazem perguntas que, muitas vezes, são as nossas perguntas.

Nós temos uma coisa muito boa: estamos um pouco por todo o Brasil e muitas vezes apelamos à reciclagem e à separação dos resíduos, mas nem todas as cidades têm forma de separar os resíduos, como acontece em São Paulo. Então as pessoas perguntam-nos “se não temos como separar o que podemos fazer?”, e nós damos sugestões como ‘escolha materiais que sejam biodegradáveis’, ‘opte por produtos que tenham menos embalagens’.

No fundo, com as perguntas que recebemos vamos trazendo as alternativas para as pessoas, que já não são só do Brasil.

Inspiram os outros a fazer melhor ou inspiram-se neles para melhorar?

As duas coisas. Como trabalho com este tipo de projetos há muito tempo sinto que a comunicação nesta área é muito à base do “faça” – “leve os seus sacos para o supermercado”; “faça a reciclagem”, por exemplo. O que eu sentia falta era de alguém que partilhasse o que estava de facto a fazer e a testar. Ou seja, não trabalhar na base da ordem, mas sim mostrar pelo exemplo. E é muito isso que nós fazemos no Verdes Marias, é mostrar o nosso exemplo. É poder dizer que eu, Mariana, consigo, com dois filhos pequenos e dois empregos, parar o que estou a fazer para levar as embalagens a um ponto de recolha correto. Se eu consigo porque é que os outros não tentam também?

E quando as pessoas nos vão contando as mudanças nós ficamos super felizes. No outro dia, uma criança escreveu-nos, através do Tik Tok, para nos dizer que tinha conseguido convencer a mãe a mudar algumas coisas lá em casa e agora queria dicas para reaproveitar material escolar para levar para a escola.

Mariana das Verdes Marias

Qual foi a mudança que fez e que mais impacto causou em vocês e em quem vos segue?

Tornar-me vegetariana. No Brasil a desflorestação e o consumo de carne são dois dos maiores problemas para as alterações climáticas. Cá, o consumo de carne é muito elevado, por isso, quando uma influenciadora deixa de comer carne está a enviar uma mensagem política, social e de comportamento, logo, há muitas reações e reclamações. Ensinar às pessoas quais os benefícios de reduzir no consumo de carne foi muito importante, porque nós aprendemos a criar refeições e a entender que é preciso comer de forma saudável e nutricionalmente equilibrada dentro das opções vegetarianas. Essa é capaz de ter sido uma das maiores mudanças, sim.

Entre as três, quem incentiva mais quem a ser sustentável?

Eu. Comecei mais cedo, também é por isso. Mas tem fases. Há alturas em que uma está mais cansada, então as outras incentivam para continuar.

Verdes Marias

Quem é a “mais descuidada”?

A mais descuidada é a Carolina. É mais distraída, às vezes troca-se. Mas também é quem trabalha mais e acaba por nem sempre conseguir fazer algumas coisas.

Quem é a “mais certinha”?

Eu. Sou super sustentável com tudo.

Qual é a ação mais sustentável que fazem no dia a dia?

Penso que dependa de cada uma, mas, para mim, compostar é muito importante porque faz com que reduza 50% dos resíduos que geralmente produzo.

Qual foi a melhor ação que já fizeram em prol do ambiente?

Já conseguimos fazer com que vários restaurantes mudassem o cardápio e que passassem a usar latas para vender bebidas. Acho que foram as melhores. Fazer as pessoas mudar para embalagens mais recicláveis foi muito bom.

Qual foi a ação mais difícil de concretizar?

Convencer o meu marido a mudar. Porque não podemos insistir para as pessoas mudarem, apesar de acharmos que as pessoas que vivem connosco vão fazer como nós e ser super sustentáveis, mas nem sempre isso é verdade. É preciso ter paciência para ir introduzido alguns temas devagar com resiliência.

E qual foi a mais fácil?

Mudar os produtos de limpeza na minha casa. Assim que o meu primeiro filho nasceu comecei a usar produtos naturais que não agridem o ambiente e acabaram-se grande parte das alergias, dores de cabeça, etc. Foi bom para todos.