Tiago Pires, campeão mundial de surf, não é só pro a deslizar nas ondas. A reciclagem ocupa um espaço central no seu dia a dia há já 15 anos, e tenta transmiti-la aos que o rodeiam. Quanto ao surf, revela que é um desporto que não tem pegada ecológica, fazendo quem o pratica parte do oceano.

Portugal tem uma costa marítima extensa. Estará a ser bem aproveitada no que respeita à exploração eficiente e sustentável dos recursos?
Eu acho que não. Infelizmente, ainda vivemos o mar e a praia apenas na época balnear e isso é um grande defeito da nossa gestão interna e do compromisso que temos com a praia, a costa, o mar e a qualidade da água. Durante todo o ano, fechamos os olhos às práticas que envolvem a correlação com o mar. Quando estamos perto da época balnear começamos a fazer esforços, para garantir que as praias aparecem limpas e que a qualidade da água está boa, mas acho que ainda é uma relação de muito interesse e não de 100% respeito para com os recursos. Já viajei bastante e vejo o compromisso de outros países, como é o caso da Austrália, onde as praias estão o ano inteiro bem tratadas e a qualidade da água não muda. São práticas muito mais sustentáveis e de respeito para com a natureza.

Tem uma escola de surf na Ericeira. Além de ensinar os mais pequenos a apanhar boas ondas, também tenta ensinar-lhes a importância de preservar o oceano?
Nós temos sempre um cuidado muito grande, numa primeira instância, de dar uma grande ensaboadela teórica às pessoas sobre a relação que devemos ter com o mar. Eu, mais do que ninguém, como vivi do mar e continuo a viver, sinto que é um dever dizer o que é uma boa prática: ou seja o que se deve ou não fazer ao mar.
Além disso, todos os anos promovemos limpezas das praias com outras escolas de surf. Outra coisa que queremos deixar de fazer é usar tanto os carros das escolas até à praia e começar a andar mais a pé com os materiais.

Quais as competências e motivações sustentáveis que considera essenciais na prática de um desporto como o surf?
O surf acaba por ser uma atividade bastante sustentável: uma pessoa vai para a água, tira o prazer de deslizar nas ondas, e vai-se embora, levando o material, portanto não há pegada nenhuma. É claro que temos algumas limitações no que diz respeito aos materiais que utilizamos, porque podem ser produzidos com recurso a alguns materiais químicos. Numa primeira instância, acho difícil conseguir livrarmo-nos a 100% desses materiais, mas já há projetos de pranchas mais sustentáveis, e outros equipamentos feitos com madeira, ou até com cortiça. No entanto, ainda não estão bem testados e talvez nunca sejam otimizados para competição, que é o principal objetivo de quem pratica surf, porque querem uma prancha cada vez melhor e mais rápida. Até agora não se encontraram soluções que sejam boas o suficiente para tirar as outras opções do mercado, mas é um compromisso que as marcas têm vindo a fazer; por exemplo, já há resinas mais amigas do ambiente, não tão poluentes. No caso dos fatos de surf e dos calções de banho, há muitas marcas que já estão a fazê-los a partir de materiais 100% recicláveis, como garrafas de plástico. Mas acho que vai ser difícil.

Que cuidados tem no seu dia a dia, para o deixar mais amigo do ambiente?
Os cuidados são alguns. Sou muito sensivel ao uso do plástico: tenho sempre a minha garrafa. Em casa, usamos poucas coisas que não sejam reutilizáveis, tentamos não comprar muita coisa que seja feita de plástico e temos a preocupação de sensibilizar o nosso filho de quatro anos. Com as nossas boas práticas talvez consigamos influenciar os nossos vizinhos, os nossos amigos e a coisa vai-se alastrando. A nossa atitude enquanto consumidores também vai ditar muito esta mudança: se deixarmos de comprar coisas de plástico, as marcas vão ser obrigadas a começar a dar soluções.

Já participou em inúmeros campeonatos de surf, tanto nacionais como internacionais. Nesses eventos, a sustentabilidade é uma preocupação? Como se materializa?
Sim, tem sido cada vez mais uma preocupação, por exemplo, nós usávamos muitas garrafas e copos de plástico para beber água na área dos competidores, e, hoje em dia, já nos fornecem uma garrafa reutilizável. Portanto, pequenas ações destas já contribuem bastante para que a pegada de um campeonato, que ainda é um evento bastante grande, seja muito menor.

Faz reciclagem? Se sim, desde quando e porquê?
Já faço há muito tempo, não sei dizer bem o momento exato, mas talvez há 15 anos. Faço-o porque acho que temos de ter uma ação muito mais complexa com o tratamento do nosso próprio lixo. Separar o lixo em casa em diferentes caixotes e lavar as embalagens dá mais trabalho do que enfiar tudo para dentro de um saco de lixo e deitar fora. No entanto, acho que é um dever que tenho enquanto surfista, como um quase “guardião da praia e do oceano”.