Vera Mantero é bailarina, coreógrafa e fundadora do projeto Rumo dos Fumos, que já conta com 20 anos. É autora da peça “Limpo e Sujo”, uma obra que aborda a sustentabilidade da presença humana.

Diz que usa a dança e o trabalho performativo para “perceber aquilo de que necessita perceber”. Com “Limpo e Sujo”, o que é que percebeu? E o que procurou transmitir?
O “Limpo e o Sujo” é uma peça inspirada num livro do Félix Guattari, que é muito pequenino, mas muito interessante, e que aborda a ideia de que há três ecologias a considerar: uma ambiental, outra social ou coletiva e uma pessoal, como se fosse uma espécie de ecologia do indivíduo, uma ecologia íntima. Esse livro dizia que nenhuma destas ecologias podia individualmente ser bem-sucedida se não fosse posta em ação juntamente com as outras duas. No fundo, a mensagem é de que “não vale a pena tentar pôr em marcha uma ecologia ambiental, se não pusermos em marcha também uma ecologia pessoal e uma ecologia social’. Eu achei muito interessante toda esta ideia, porque diz que não é por acaso que há este problema ambiental, ecológico e climático. Estes problemas não acontecem independentemente das tendências humanas, mas ao contrário: são essas tendências humanas que provocam todos esses fenómenos, tendências de acumulação, para a ganância, etc.

Esta peça foi, pois, criada no âmbito deste ciclo de pensamento: o que é que podemos fazer em nós, no nosso comportamento para desmantelar essas tendências.

Diz que na peça há corpos educados e há corpos deseducados”. Em que tipo se inclui? Porquê?
Eu acho que transito entre estes dois tipos de corpos, não podemos estar sempre só num. Há um outro projeto que eu fiz, em que se criou uma série de hortas urbanas como cenografias para espetáculos e performances e em que tivemos de aprender bastante sobre agricultura. Uma coisa que foi muito impactante para mim foi perceber o quanto a “sujidade” é fértil, porque, por exemplo, as fezes são adubo, o composto é feito de restos que não servem para consumir e daquilo que consideramos lixo. Perceber que aquilo que é mais sujo é o mais fértil e que aquilo que é mais limpo, mais assético, é o mais infértil, porque não produz vida, foi muito importante. Portanto, às vezes, o corpo educado que responde a uma série de normas de limpeza, de educação, de comportamento pode ser um corpo mais infértil, menos conectado com a natureza e um corpo mais deseducado, que responde menos a determinadas normas, pode ser um corpo mais próximo.

Há alguns hábitos sustentáveis que pratique no dia a dia?
Faço reciclagem, separo as embalagens. Mas também sei que reciclar não chega, é preciso fazer mais. O excesso de plástico tornou-se tão evidente que começamos a tomar uma consciência um pouco maior. Por exemplo, eu vou a uma loja em que os produtos de limpeza se adquirem uma vez e depois podem levar-se as mesmas embalagens para reencher. 

Qual é a importância que atribui à reciclagem?
O processo de separação das embalagens é importantíssimo. É fundamental e não podemos deixar de o fazer.

Enquanto artista e performer considera que o tema ambiental deve ser mais vezes chamado a palco? 
Eu já fiz vários projetos que estão relacionados com o ambiente, estou neste momento envolvida com outro que tem imenso a ver com o tema, que é o Terra Batida. Se, por um lado, tenho estado envolvida em projetos dessa natureza, sejam meus, sejam de outras pessoas, por outro lado, confesso que me pergunto ‘até onde é que estes projetos chegam?’. Isto no sentido em que aquilo que pode, de facto, ter uma incidência na nossa realidade e na realidade das alterações climáticas são medidas muito alargadas, muito drásticas e não podem ser só coisas que as pessoas, individualmente, vão fazendo. Não chega. É claro que é importante cada um tomar o seu papel ativo, mas, para mudar, é preciso mais.